sábado, 7 de setembro de 2013

Ahhhh... hoje só me apetece gritar. Este mês tem sido repleto de coisas boas mas por mais que às vezes queira sorrir não consigo.

Este mês de Setembro é sempre um mês doloroso para mim. Bastante mesmo. Foi a 2 de Setembro de 1998 que a minha vida um pouco, ou se calhar muito. Eram duas da madrugada, estava eu a bom dormir já, quando a minha mãe me entra pelo quarto, acorda-me e diz para me levanta. Não fazia ideia do que se passava, até que a minha mãe disse que o meu pai se tinha sentido mal. E lá estava eu com apenas 11 anos a telefonar para o INEM, para a minha madrinha para virem socorrer. 

Ele ia tomar duche quando começou a tossir e caiu na casa de banho. Telefonei para onde a minha mãe me mandou, e enquanto não chegava ajuda pedi para ver o meu pai. A minha mãe não me queria deixar ver porque ele estava todo nu, mas lá insisti e ela pôs por cima da zona íntima uma toalha roxa com umas palmeiras pretas e lá o vi. Estendido no chão, meio que enrolado sobre si próprio com a cara, a cabeça toda roxa. "Está desmaiado" foi o que pensei. Entretanto chegou o ex-marido da minha madrinha, a minha mãe disse-lhe onde estava o meu pai e depressa o estendeu pelo chão do corredor e começou a fazer a massagem cardíaca. Lembro-me que queria ver mas ele mandou-me embora, não queria que ali estivesse. É estúpido, eu sei, mas nunca me passou pela cabeça que o meu pai tinha.

O INEM não chegava, eu estava sempre a perguntar o que se passava com o meu pai, até que estava a subir as escadas atrás dela e ela disse-me algo que me marcou até hoje, não me esqueço de nenhuma palavra, nenhum gesto que fez, da expressão dela. "Eu acho que o teu pai está morto". Pufff... escorreguei pela parede, os meus olhos encheram-se de lágrimas, e lá fui eu. Rumo ao chão, a pensar que não podia estar a acontecer, que aquilo não era verdade, ele estava só desmaiado, ele ia para o hospital e ia ficar bom! Se das outras duas vezes que lhe tinha dado um enfarte e ele tinha voltado sempre, daquela vez não ia ser diferente. Não podia.

É verdade que o meu pai nunca foi muito presente, nem para mim nem para o meu irmão. Preferia as festarolas com os amigos, os fins-de-semana nas caçadas mas, lá no fundo, eu sabia que ele gostava de mim e do meu irmão. Nunca me tinha dado um presente por sua iniciativa, mas naquele dia foi diferente, deu-me um CD comemorativo da morte da Princesa Diana e deu-me uma coisa que até hoje não me esqueço, uma coisa que nunca tinha feito, deu-me um beijo de boa noite. Soube-me tão bem!

Adoro recordar esse momento. Adorava que tivesse durado uma eternidade.

Após esta suposição da minha mãe, corri para o telefone, liguei novamente para o INEM e perguntei onde estavam que o meu pai estava mal, na casa de banho e que a minha mãe achava que ele estava morto. Entretanto fui para a porta da rua e vi as luzes da ambulância e comecei logo a gritar "É aqui! É aqui!", acordei a vizinhança toda e lá vieram os bombeiros com a maca para o levar. Contudo havia um problema: a maca não dava a volta nas escadas e então a minha mãe mandou-me ficar na sala e encostou a porta, disse-me para não a abrir. Não resisti e espreitei pela greta da porta e vi o meu pai, a passar quase enrolado num lençol branco com um braço de fora, e os bombeiros a levá-lo para a ambulância. O ex-marido da minha madrinha foi com ele e nós fomos lá ter com uma prima minha. 

A minha mãe acordou o meu irmão, e eu fui a correr à mesa-de-cabeceira do meu pai buscar um cordão de ouro com uma cruz que ele usava todos os dias sem excepção. Agarrei-me a ele toda a noite e rezei, rezei para que o meu pai estivesse bem, que fosse uma coisa passageira, pedi a Jesus que tomasse conta dele, que não deixasse morrer. Porquê pedir a Jesus?! Porque sempre me disseram, desde pequena, que se pedíssemos uma coisa com muita força, Ele realizaria essa coisa. Então era fácil, eu pedi, eu rezei, ia acordar no outro dia, ia vê-lo ao hospital e trazia-o para casa.

O cenário não foi esse. Dormimos em casa da minha madrinha e no outro dia logo de manhã, assim que acordei perguntei pelo meu pai e ela começou logo a chorar. A seguir comecei eu e não parei e não queria acreditar. O meu pai está morto! Não volta. Ficou ali.

Queria vê-lo e insisti e lá fomos nós para a casa mortuária onde ele estava num caixão, com uma Nossa Senhora de Fátima à cabeceira que dava luz como se fosse uma vela. Quando o vi ali deitado é que caí bem em mim. Pedi para ficar a velar o corpo toda a noite com a minha mãe mas não me deixaram.

Avisaram os meus tios e a minha avó e ao fim de três dias lá estavam eles na Terceira para o funeral.

Lembro-me que já não se aguentava o cheiro de morto misturado com o cheiro forte das flores, causava-me náuseas, má disposição. Mas aguentei. O padre disse a missa e lá fomos nós rumo ao cemitério. Fui no carro fúnebre depois de muito insisti e assim que chegámos ao cemitério e abriram o caixão, ao mesmo tempo que o senhor da funerária me afasta, ia-me vomitando com o cheiro. 

E pronto. Últimas rezas, 7 palmos abaixo da terra, terra por cima, tapado, vamos embora.

Podia não ser um pai presente, pode não ter sido o pai mais exemplar do mundo, mas a verdade é que o amava e nunca vou deixar de o amar.

Não conto esta história a muitas pessoas porque, como devem calcular, é um assunto que mexe muito comigo, e sempre que falo nisso, que falam eu revivo tudo novamente e odeio, odeio ver a expressão da minha mãe, a ver os lábios delas a pronunciarem aquelas palavras que não queria ouvir.

É por isto que o mês de Setembro é sempre o mês mais triste do ano para mim... porque volto a ser uma menina de 11 anos, que tentou, mesmo sem saber, salvar a vida do seu pai pedindo ajuda.

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